terça-feira, 11 de agosto de 2009

Relações de poder arcaicas?

Talvez alguém ache exagerado eu ter afirmado em minha entrevista publicada no Notisul de 08 de Agosto que, no Brasil, as relações de poder ainda são arcaicas. Sobretudo, porque essa leitura não se reduz unicamente ao poder exercido politicamente e publicamente: ele constata-se igualmente nas relações hierárquicas dentro das empresas e ao longo do tecido social, refletindo muito das antigas relações coronel vs. peão ou, recuando ainda mais no tempo, senhor do engenho vs. escravo. Padre Padrone, ou ecos do passado refletindo-se no presente.

A permanência ainda abundante de relações de poder feudais no Brasil pode causar perplexidade, quando o território foi colonizado já em pleno Renascimento, e por um país no qual a maior parte dos historiadores afirmam não ter havido feudalismo; mas suponho que os sociólogos devem vir aprofundando esse estudo, buscando perceber perceber as causas do fenômeno.

Na mesma linha de pensamento, a atual crise institucional com base no Senado mostra uma ponta do iceberg que se encontra, porém, não à vista de todos, mas lá no fundo das mentalidades: umas que continuam aceitando essa relação de sujeição, outras que tentam tirar partido dela até à (inevitável) queda final. Justamente, chamou-me a atenção o comentário de um leitor ao artigo de hoje de Stephen Kanitz OAB defende recall de senadores, que orbita em torno dessa mesma matéria e estou citando abaixo.

«Num país, cuja educação está em quarto lugar numa lista de prioridades de seu povo só podíamos estar debatendo questóes desse tipo. E não esperem melhoras a curto e nem médio prazo. O principal beneficiado- o povo- em mudanças radicais nesse sistema podre não está nem aí.A maioria não sabe nem em quem votou nas últimas eleições.
Aqui onde moro é proíbido falar em política, a não ser se for pra falar bem dos coronéis que mandam na cidade.E isso já tem 40 anos. E tem mais. Estamos no interior de São Paulo.
Agora imaginem nos rincões do Brasil!
"Percam as esperanças. Estamos todos no inferno".»

Talvez esse leitor esteja exagerando no lugar onde todas as esperanças estão perdidas, ao parafreasear e situar no Brasil o Inferno, à medida do que escreveu Dante na Divina Comédia: "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate". Porém, o povo fala e começa a sentir-se visivelmente indignado, o que é um sinal. Sinais de fumaça no horizonte trazem mensagens. Não existe fumaça sem fogo.

Mas o Brasil também pode ser um paraíso, excluindo desse o paraíso ilusório dos que perverteram, à sombra da democracia, o dever público em poder pessoal. Reverter o Brasil ao paraíso original vai depender da mentalidade dos líderes, dos formadores de opinião e dos cidadãos em geral. Todos são atores privilegiados da mudança. Paraíso ou inferno, é cada um que cria o seu, tanto no individual como no coletivo. Inclusive, o próprio Kanitz devotou um blog unicamente para valorizar tudo o que o Brasil tem de bom. Interessante conferir: O Brasil que dá certo.

Brasília como Versalhes - de como uma conversa por e-mail passa para o ciberespaço

Leia este artigo no blog do Fábio Régio Bento >>

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A educação que vive, respira, levanta-se e anda: Rubem Alves

No Brasil, muitos desconhecem e muitos conhecem Rubem Alves (biografia), sobretudo a partir do mundo da educação e da literatura infantil, ou de entrevistas na mídia.

Filósofo da vida bem vivida (carpe diem), filósofo da educação, educador filósofo; filósofo das letras, jogando e divertindo-se com elas, como uma criança se diverte com uma pipa colorida; místico filosófico sem praia exclusiva ou reservada; autor, observador, ator e personagem do Zeitgeist, Rubem Alves é produtor de um pensamento alternativo, aqui no sentido mais elaborado do que o comum: o educador que pensa e se repensa constantemente, e se desdobra em diversos “outros”, capazes de se olharem mutuamente sem, porém, perderem a noção da individualidade.

Não esquecendo que o próprio termo “alternativo” se origina no latim “alter” que significa, justamente, “o outro”. Talvez por isso, e porque em busca de diversas objetividades não conflitantes com a Ciência, mas além dela, que Rubem Alves tanto admira, e cita Fernando Pessoa, sobretudo com Alberto Caeiro, um dos heterônimos pessoanos.

Numa entrevista concedida à revista do SINPRO-RS em março de 2002, Rubem Alves declara:

[...] O maior problema da educação brasileira: ela não está ensinando o povo a pensar. O objetivo da educação é ensinar a pensar, não é dar informações. As informações são como a peças de um jogo de xadrez. Quem só tem as peças não sabe coisa alguma. O que importa é a dança das peças nos espaços vazios. Assim é o pensamento. Conheço pessoas que sabem uma infinidade de coisas – parecem-se enciclopédias – mas não sabem pensar. O seu saber é inútil.

Rubem Alves consegue, talvez sem mesmo pensar nisso, lançar sobre o espaço humanizado um olhar (pós)contemporâneo, desconstrutor de pensamentos consolidados sobre isto e aquilo, capaz de reinventar e inovar sem aviso prévio, de uma forma aplicável a quase tudo na vida dos indivíduos e até das instituições, na educação de crianças e de adultos. A educação permanente. Mais que um olhar, é uma prática respiratória (será que ouvi o pneuma da filosofia grega, que adentrava o mundo do pensamento?) que permeia a obra de Rubem Alves e que, mais do nunca, necessária para educar, pensar e lidar com as sociedades complexas de hoje, no sentido que Morin dá ao termo: «Complexo é o que é tecido em conjunto».

A não perder: A CASA DE RUBEM ALVES

Algumas entrevistas estimulantes com Rubem Alves:



domingo, 9 de agosto de 2009

Entrevista no Jornal NOTISUL

A jornalista Amanda Menger fez-me uma entrevista, num itinerário orbital de diversos aspectos da vida brasileira, a partir da minha vivência de quase oito anos em Tubarão e no sul de Santa Catarina: política, economia, sociedade, empresas, meio ambiente, municipalismo regional, e mais. A matéria foi publicada na edição de fim de semana de 08 de Agosto do NOTISUL (Tubarão-SC).

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A sustentabilidade ambiental no ensino superior brasileiro

Revista Contrapontos
Periódico científico do Mestrado em Educação da Univali (SC, Brasil). Classificado como publicação B2 no Qualis/Capes.

Vol. 9, No 2 (2009)
Educação em Diferentes Contextos

Maio - Agosto de 2009 - Índice >>

ISSN: 1984-7114 (Versão eletrônica)


A Sustentabilidade no Ensino Superior Brasileiro: alguns elementos a partir da prática de educação ambiental na Universidade

Fátima Elizabeti Marcomin, Alberto Dias Vieira da Silva

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Resumo

A inserção das questões ambientais na universidade surge como um centro de gravidade importante dentro da temática ambiental e, particularmente, no âmbito da Educação Ambiental (EA). Da consciência ambiental dos futuros profissionais, formados nas universidades, dependerá em parte a capacidade humana para inverter o índice ainda crescente de degradação do meio ambiente, prevenir catástrofes maiores e resgatar, a prazo, a sustentabilidade planetária. Além de suas funções tradicionais de ensino e pesquisa, as universidades brasileiras socialmente responsáveis possuem, tradicionalmente, uma atividade forte em extensão universitária. Face à degradação do meio ambiente e a inúmeros problemas não resolvidos no campo social, a universidade passa a alargar sua responsabilidade social a uma responsabilidade ambiental, o que, no contexto brasileiro em particular, implica um esforço de transformação das mentalidades e de melhoria das condições materiais e culturais. Verifica-se que a maior parte das iniciativas para uma "universidade sustentável" no Brasil incide até agora na ambientalização dos currículos e no incremento da pesquisa ambiental, com pouco respaldo dos principais decisores, e na quase ausência de políticas públicas integradoras de educação e sustentabilidade. Dada a transversalidade inerente à abordagem ambiental, considera-se que as diversas faces, níveis e atores da ambientalização da universidade deverão basear-se em pessoas comprometidas ou, no mínimo, não resistentes à mudança, numa estrutura institucional e funcional também transversalizante, integradora de processos e objetivos, aberta a metamorfoses, e capaz de refletir mudanças de paradigma, da Reitoria à sala de aula. O presente trabalho alicerça-se em dados provenientes de pesquisas bibliográficas e participativas realizadas pelos autores em Santa Catarina, e em dados obtidos através de sua experiência na implantação de projetos ambientais e de Educação Ambiental, sobretudo no ambiente universitário, tendo como centro a Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

Palavras-Chave: educação ambiental, gestão do ensino superior, ambientalização da universidade.

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quinta-feira, 30 de julho de 2009

Cidadania é ...

Já não me recordo de onde copiei essa definição abaixo, mas acabo de encontrá-la numa pequena folha de apontamentos, já com ar algo usado, dentro da minha carteira - talvez nessas leituras de sala de espera de médico, ou outros lugares de pré-tortura (quando a espera não é a maior tortura). Seja como for, achei que ela define muito bem o significado do termo cidadania. Aqui vai:

«Cidadania é o estado pleno de conscientização dos deveres e direitos do cidadão, e das suas possibilidades de desenvolvimento como membro de uma comunidade».

Um dos aspectos importantes dessa definição é a questão dos deveres. Muita gente vive procurando seus direitos, mas esquece seus deveres. A busca individualista e, por isso, doentia, dos direitos acaba virando até abuso e, tanto que pretende cidadania, perverte a própria cidadania.

Como se costuma dizer, a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Talvez a palavra-chave da cidadania seja mesmo "reciprocidade" em nível consciente, ou seja, sentido de reciprocidade. Porque não existe cidadania individual. Com efeito, eu sou o outro além de mim mesmo. O outro está em mim; e a única coisa que o outro não tem de mim é minha própria consciência; de tal modo que, para fazer com que o outro entenda aspectos da minha consciência, eu tenho forçosamente que dialogar com ele - logo, reciprocidade, que é um dos aspectos da linguagem, em suas características básicas de mensagem e feedback, e assim por diante.

Daí se entende cidadania, igualmente, como uma rede de comunicação entre seres mais ou menos conscientes do todo em que se encontram. Mas essa seria outra conversa.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Nota à margem: Príncipes e filósofos

No meu artigo no jornal Notisul de 23 de julho, Pé da serra: traço de união ou linha de fronteira?, fiz uma referência de memória a um trecho de Platão, que vale a pena citar na íntegra. Trata-se um fragmento do Livro V de “A República”, que estou traduzindo da edição inglesa de 1871, de Benjamin Jowett*. No Livro V, o diálogo passa-se entre Sócrates, Glaucon e Adeimantus, e nosso trecho, naturalmente, repete a fala de Sócrates, mestre de Platão:

"Enquanto os filósofos não forem reis, ou os reis e príncipes deste mundo não tiverem o espírito e o poder da filosofia, e a grandeza política não se fundir com a sabedoria; e enquanto os de natureza vulgar que perseguem os demais para excluí-los não forem obrigados a afastar-se, nem as cidades nem a raça humana – assim acredito – terão descanso de seus males; só nesse momento o nosso Estado terá uma possibilidade de vida e de contemplar a luz do dia."

Do mesmo modo, referi nesse mesmo artigo que o termo “academia” se deve a Platão, o que é verdade pelo uso da palavra, embora ele já existisse anteriormente, porque se trata de um local: Akademia era o nome de um santuário, a norte da cidade de Atenas, consagrado à deusa da sabedoria: Atena. Foi nesse local que, cerca de 385 a.C., segundo se pensa, o grande sábio implantou sua escola filosófica, dedicada à busca do saber e das formas mais elevadas do conhecimento, que, por esse motivo, passou da contemporaneidade platônica para a História com o nome de Academia.


(*) Until philosophers are kings, or the kings and princes of this world have the spirit and power of philosophy, and political greatness and wisdom meet in one, and those commoner natures who pursue either to the exclusion of the other are compelled to stand aside, cities will never have rest from their evils, - nor the human race, as I believe, - and then only will this our State have a possibility of life and behold the light of day.