Talvez alguém ache exagerado eu ter afirmado em minha entrevista publicada no Notisul de 08 de Agosto que, no Brasil, as relações de poder ainda são arcaicas. Sobretudo, porque essa leitura não se reduz unicamente ao poder exercido politicamente e publicamente: ele constata-se igualmente nas relações hierárquicas dentro das empresas e ao longo do tecido social, refletindo muito das antigas relações coronel vs. peão ou, recuando ainda mais no tempo, senhor do engenho vs. escravo. Padre Padrone, ou ecos do passado refletindo-se no presente.
A permanência ainda abundante de relações de poder feudais no Brasil pode causar perplexidade, quando o território foi colonizado já em pleno Renascimento, e por um país no qual a maior parte dos historiadores afirmam não ter havido feudalismo; mas suponho que os sociólogos devem vir aprofundando esse estudo, buscando perceber perceber as causas do fenômeno.
Na mesma linha de pensamento, a atual crise institucional com base no Senado mostra uma ponta do iceberg que se encontra, porém, não à vista de todos, mas lá no fundo das mentalidades: umas que continuam aceitando essa relação de sujeição, outras que tentam tirar partido dela até à (inevitável) queda final. Justamente, chamou-me a atenção o comentário de um leitor ao artigo de hoje de Stephen Kanitz OAB defende recall de senadores, que orbita em torno dessa mesma matéria e estou citando abaixo.
«Num país, cuja educação está em quarto lugar numa lista de prioridades de seu povo só podíamos estar debatendo questóes desse tipo. E não esperem melhoras a curto e nem médio prazo. O principal beneficiado- o povo- em mudanças radicais nesse sistema podre não está nem aí.A maioria não sabe nem em quem votou nas últimas eleições.
Aqui onde moro é proíbido falar em política, a não ser se for pra falar bem dos coronéis que mandam na cidade.E isso já tem 40 anos. E tem mais. Estamos no interior de São Paulo.
Agora imaginem nos rincões do Brasil!
"Percam as esperanças. Estamos todos no inferno".»
Talvez esse leitor esteja exagerando no lugar onde todas as esperanças estão perdidas, ao parafreasear e situar no Brasil o Inferno, à medida do que escreveu Dante na Divina Comédia: "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate". Porém, o povo fala e começa a sentir-se visivelmente indignado, o que é um sinal. Sinais de fumaça no horizonte trazem mensagens. Não existe fumaça sem fogo.
Mas o Brasil também pode ser um paraíso, excluindo desse o paraíso ilusório dos que perverteram, à sombra da democracia, o dever público em poder pessoal. Reverter o Brasil ao paraíso original vai depender da mentalidade dos líderes, dos formadores de opinião e dos cidadãos em geral. Todos são atores privilegiados da mudança. Paraíso ou inferno, é cada um que cria o seu, tanto no individual como no coletivo. Inclusive, o próprio Kanitz devotou um blog unicamente para valorizar tudo o que o Brasil tem de bom. Interessante conferir: O Brasil que dá certo.